"A minha pátria é a língua portuguesa"

Saturday, November 18, 2006

Espelho Meu

Quando outro dia andava na baixa de Ponta Delgada dei com uma nova loja que, ao que parece, vende apenas embrulhos para prendas. São embrulhos elegantes, requintados e, suponho eu, de preço proporcional a isso mesmo. Como a quadra que se aproxima é propícia, pus-me a pensar como seria receber um presente com um embrulho assim mas em que o conteúdo fosse banal: seria uma desilusão de todo o tamanho. O inverso, isto é um embrulho apenas bonito e uma prenda fantástica, seria excelente. O primeiro impacto é fundamental, mas o que importa verdadeiramente é o que surge depois de um embrulho aberto.
Talvez seja uma comparação profundamente grosseira dizer que as pessoas são como prendas. Vivemos num mundo em que cada vez mais conta apenas o exterior, sendo que a verdadeira essência de cada um de nós é posta de parte. Mas não sejamos hipócritas: a imagem é a nossa primeira marca. É a maneira como surgimos aos outros, como somos evocados e como nos vemos todos os dias ao espelho. Daí que seja normal a preocupação que todos nós temos com a nossa aparência. O que já ultrapassa os limites do aceitável é a submissão a padrões de beleza absolutamente distorcidos.
A noção de beleza não é imutável e não é necessário ser um grande entendido de arte para o perceber. Basta ver umas pinturas de séculos passados para ver que o ideal de beleza se baseava em paradigmas mais curvilíneos. Certamente horrorizaria qualquer esteta renascentista saber que muita gente considera as manequins o supra-sumo da beleza. Ainda me lembro que a minha avó, certamente para me animar dos quilinhos que sempre tive a mais, me dizia que “a gordura é formosura.”
Sou da opinião que cada vez mais a noção generalizada de beleza feminina caminha para o descalabro, dado que impõe à mulher limites muito estreitos. Basta pensar na manequim brasileira Ana Carolina, de 21 anos que morreu há dias vítima de uma infecção generalizada, provocada pela anorexia. Tinha 1,74 de altura e pesava apenas 40 quilos. Alimentava-se de apenas maçãs e tomates, vomitando, por vezes, essa diminuta quantidade de comida.
O que faz uma pessoa fisicamente bonita? O rosto, sem dúvida. O facto de possuirmos pequenos detalhes que nos tornam distinguíveis no meio de tantos outros. As nossas bochechinhas. O contorno dos lábios. A forma das pestanas. A expressão dos olhos. A frescura do sorriso. Pobre daquele que ao espelho não encontra algo de belo. Não precisa de uma plástica, mas de injecções de auto-estima.
O que nos torna belos é o facto de sermos únicos. Se a isso somarmos as nossas qualidades, a nossa verdadeira essência, então somos prendas cujo embrulho não é uma fraude.

3 Comments:

  • gostei mto dos 2 últimos parágrafos.

    que se cuidem as mulheres com o paradigma de beleza actual (que na minha opinião pessoal pouco tem de beleza)

    By Blogger melena, at 2:15 PM  

  • a escrita está sublime o conteúdo melhor ainda amiga a nossa aparência muda vai-se deteriorando ao longo do tempo..perde-se...o que fica é o interior da prenda esse sim, ao invés do embrulho, vai enriquecendo todos os dias um bocadinho e se tivermos rodeados de pessoas especiais mais ainda :)
    fico muito feliz por me poder considerar tua amiga e aprender todos os dias a absorver mais um pouco da tua beleza que transparece acredita que sim jokas e té amanha..

    By Anonymous Anonymous, at 8:08 PM  

  • Dede:

    Muito obrigada pelo teu comentário, juro que corei com aquilo que escreveste.

    É bom ver-te aqui no meu blog.

    Beijinhos e volta sempre

    By Blogger Carolina Almeida, at 8:38 PM  

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