"A minha pátria é a língua portuguesa"

Tuesday, September 12, 2006

Requiem

Recordo com clareza mesmo passados cinco anos. Não apenas as imagens que pareciam retiradas de uma produção de Hollywood mas também pormenores domésticos. Era um dia um pouco diferente: a minha mãe fazia anos e era o primeiro dia de aulas. No meio da agitação, o meu irmão, impassível, sentou-se no sofá e ligou a TV. E disse: “Um avião bateu no World Trade Center”.
As imagens eram dantescas e os diferentes canais esforçavam-se por passar as imagens mais claras da situação. Desde a imagem em câmara lenta do embate na segunda torre, onde se podia ver o progresso infernal de uma massa de fogo até ao desespero puro de quem se lançava, sem esperança, das torres.
Será talvez um cliché mas tenho de dizê-lo: para mim não foram apenas as torres que caíras. Aquilo que sustentava a segurança do meu mundo ficou também desfeito em pedaços. Com 14 anos, idade em que comecei a alargar horizontes e a interessar-me pela actualidade mundial, já me tinha começado a desiludir com o ser humano, consequência inevitável do crescimento. Aquele acto bárbaro, cruel, de uma violência atroz e gratuita foi a gota final. Ainda me arrepia o desprendimento e o fanatismo daqueles que entregaram a vida (para mim um bem precioso) para semear o medo e derramar sangue inocente. A queda das torres, símbolo da megalomania americana, fez-me ver quão frágil e insegura é a existência. Que a aniquilação pode resultar de um triste acaso numa manhã de trabalho, quando a vida quotidiana se cruza com a malvadez de objectivos sangrentos.
O meu maior medo quando era uma criança pequena era a hipótese de uma guerra que me separasse dos meus pais e virasse a minha vida do avesso. Esse bichinho adormecido despertou na manhã de 11 de Setembro de 2001. Não da forma irracional própria de uma criança, mas com a clareza de uma maturidade cada vez maior, quando, mesmo superficialmente, nos apercebemos dos meandros obscuros da política, da tensão internacional, de guerras movidas por interesses duvidosos e por último da triste descoberta da essência humana.
Ainda outro dia, com a ingenuidade própria de uma menina de 10 anos, a minha irmã comentou que o melhor seria esquecer o 11 de Setembro e não repetir as imagens que marcaram aquele dia. Não compreende que o trauma não passa se não se falar dele. Não compreende que a melhor maneira de homenagear quem morreu é manter as consciências despertas. Um dia, perceberá. Por enquanto consola-me a ideia que ela é feliz por ignorar a verdadeira dimensão das coisas. Inevitavelmente, vai acordar para a realidade. Mas espero que não de forma tão brutal como eu.

4 Comments:

  • Enquanto lamenta-se todos os anos o 11 de Setembro... crianças morrem no Afeganistão, explode mais um carro em Bagdad, Beirute continua a ser aniquilada (por uns certos amiguinhos dos EUA)... enfim ... mas esses não contam, não nos tocam, ou os ocidentais acabaram por associá-los definitivamente ao extremismo e que aquilo que eles têm é aquilo que eles merecem. Viva ao Ocidente!! Viva á politica destruidora dos EUA apoiada por Israel para destabilizar ainda mais o Médio Oriente. Abram alas para a exploração massiva do petróleo.
    Cada fracção de segundo do que se passou na América, acontece todos os dias no Médio Oriente!!

    By Blogger Leonardo Pinheiro, at 1:15 AM  

  • Leonardo:

    A política duvidosa dos EUA não diminui em nada a tristeza por aqueles que morreram nas Torres Gémeas.

    Mas concordo quando diz que todas as perdas humanas por esse mundo fora, motivadas quer pela guerra, fome, epidemias, extremismo, etc, são igualmente lamentáveis.

    By Blogger Carolina Almeida, at 10:16 AM  

  • quanto ao assunto, um rápido olhar a http://www.resistir.info,

    só a frase no barril diz tudo.

    o mundo é mto mais obscuro do que o sabemos

    By Blogger melena, at 10:25 AM  

  • Duvidosa?? Se ainda há duvidas em relação ao Iraque .. bem ..no mínimo é preciso ter muita ingenuidade.
    O sofrimento e sangue derramado no 11 de Setembro não é inferior áqueles que morrem todos os dias em alguns países do Médio Oriente e que passam quase todos os dias no Jornais. A verdade é que acabamos por nos habituar a isso.
    A partir de ontem, o número total confirmado de vidas perdidas é de: 4541 a 5308 civis e 385 militares no Afeganistão; 50100 civis e 2899 militares no Iraque.
    Com números desses... enfim

    By Blogger Leonardo Pinheiro, at 2:55 AM  

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