"A minha pátria é a língua portuguesa"

Tuesday, October 02, 2007

O Velho do Penedo

Imagine-se um dia de sol radioso, um céu azul que nenhuma nuvem mancha e uma negra andorinha que ocasionalmente rasga o ar. Imagine-se uma árvore frondosa que oferece sombra e um banco convidativo.
Um homem velho está sentado, debruçado sobre uma fiel bengala, os olhos fechados. Passo e não sei se está acordado, se dorme ou se em sonolência vaga revive dias passados. Junto do velho não existe numa criança que lhe anime com a promessa da vida em renovação. Nem pombos que lhe debiquem as migalhas da solidão.
O jardim chama-se Penedo da Saudade. Não consigo imaginar sítio mais apropriado para o velho remoer a memória de dias passados e a saudade daquilo que não viveu. Ponho-me a pensar na vida dele: se vive com os filhos, se tem netos, se é viúvo, que empregos teve, as loucuras da sua juventude, as namoradas que teve ou que gostava de ter tido, os hábitos, as manias.
Pese o facto de o envelhecimento ser uma realidade inalienável da vida, a sociedade actual não se concilia com ela. Há horror a cada ruga. O natural passar dos anos é pseudo-mascarado por tratamentos de beleza ridículos. Cada idoso é visto como um peso insuportável. Financeiro e emocional. A sociedade esqueceu o respeito que as sociedades tribais devotam aos seus anciãos, como a fonte do saber de experiências feito.
A solidão envenena-lhe os dias. Ele abre os olhos, sacode os fantasmas e levanta-se a custo. Encaminha-se para casa? Espera-lo-á em algo mais que uma televisão, ópio dos sós? Anda devagar, concentrando-se em cada passo. E apesar do passo magoado, ele seria bem feliz se apenas lhe doessem as articulações.
Texto dedicado a Joana Salgado por dar a ideia para o título e por me mandar reagir quando tenho as ideias enevoadas.

3 Comments:

  • Só para elucidar o público:

    A Carolina estava a divagar, calada e soturna, no autocarro. Só olhava para fora da janela e eu, como sempre, resmungava acerca de qualquer coisa e como estava com a pilha toda, a atitude desinteressada e alheia dela mexeu comigo. Vai daí e mando-lhe uma cotovelada enquanto digo: "REAAAAAGE!" e eis que ela acorda das profundezas para o mundo do comum dos mortais! Fico feliz por poder fazer com que reajas bastante lol :)

    By Anonymous Anonymous, at 10:00 PM  

  • Mais do que um Bom texto, é um texto cheio, daqueles que surgem de momentos de divagação silenciosa e soturna. Um autocarro parece-me um local bem propicio a essa actividade mental tão aleada dos redores. Aliás, não me é dificil imaginar-te a remoer ideias vagas, com alguém ao lado a resmungar.
    Noto aí uma reminescência - Velho do Restelho?

    Boa, prima! Beijos

    By Blogger Mani, at 12:07 AM  

  • quando publicares posso escrever o prefácio?

    By Blogger melena, at 9:49 AM  

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