"A minha pátria é a língua portuguesa"

Monday, July 07, 2008

Eu, Carolina... Almeida

O nosso nome próprio é um rótulo que carregamos toda a vida e cuja responsabilidade nos é totalmente alheia. Do bom senso dos nossos pais quando nos atribuem um nome depende se seremos gozados ou não na primária pela certeira crueldade infantil, depende aquilo que sentimos quando nos chamam na rua, ouvimos o nosso nome dito em voz alta perante uma plateia ou vemo-lo escrito em algum lado. Dar um nome a uma criança é criar a uma evocação que ultrapassa a sua própria existência. Mais do que razões para pensar cuidadosamente, se bem que, a julgar pelos exemplos que por aí se vêem, talvez 9 meses seja tempo demais para amadurecer tal decisão.
Eu pessoalmente não tenho motivos de queixa. Apesar do meu nome próprio completo ser Ana Carolina e de achar que as pessoas só deviam ter um nome, porque mais do que um cria crises de identidade (eu por exemplo já fui chamada de Ana, Carolina e Ana Carolina), sempre que ouço nomes como Sara Jéssica ou Cátia Vanessa abençoo mentalmente os meus pais. Para que conste, o nome Carolina é o que me é mais querido, porque sempre foi assim que os mais chegados me chamaram. Chegou a dar-se a situação de ligarem para minha casa e perguntarem pela “Ana” sendo a resposta “Aqui não mora nenhuma Ana”.
Eu gosto do meu nome. Sinto-me bem nele. Se daqui a muitos anos alguém abrir um livro que tenha sido meu e ler “Carolina Almeida, Agosto de 2006” e pensar “Quem seria?” o que restar de mim vai estar a sorrir.
Daí que acho hilariante que não o saibam escrever correctamente. Já fui duas vezes jogar bowling com os meus amigos e fomos atendidos pelo mesmo empregado que, das duas vezes, conseguiu a proeza de escrever errado o meu nome de duas maneiras diferentes. Tendo em conta que Carolina é um nome com 8 letras é uma proeza notável. Da primeira vez, fui brindada com o nome “Coralina”. Na segunda, “Carilina”.
Um ponto que é preciso aqui ressalvar é que não fui eu que lhe transmiti o meu nome, mas sim um amigo meu do continente e portanto a desculpa da pronuncia não pega. Assim, sempre que é a minha vez de jogar, fico com um certo prurido ao ver o meu nome mal escrito no ecrã. O que também tem piada nessa situação é imaginar o diminutivo. Em vez do usual Carol, seria “Coral” (vá lá, ainda passava…) ou “Caril”.
Sempre que o dito jovem vai mandar uma bola que mais parece um canhão enquanto eu me esforço para que a minha mantenha uma trajectória rectilínea, fico a pensar no benefício pedagógico que seria obrigá-lo a escrever 5 vezes uma palavra que tivesse escrito errado, tal como o meu professor de História do 7º ano fazia, para nos obrigar a evitar erros ortográficos.
A verdade é que fico dividida entre a pena e a perversidade. Pena porque se o corrijo os meus amigos quase vão explodir de riso reprimido. Perversidade porque quero ver como ele escreve da próxima vez. A minha aposta vai para “Carrolina”, erro vagamente comum. Quando ouço aquele arranhar estranho no meu nome dá-me uns arrepios pela espinha acima como se raspassem a minha própria alma.

Friday, June 06, 2008

Manual de Sobrevivência


Ou dicas úteis para manter a sanidade mental durante as épocas de exame:

1) Ter sempre em casa um stock apreciável de café, cappuccino, chá preto e chá verde. São bebidas com dupla funcionalidade: condicionam um momento de pausa potenciando o estudo nas horas seguintes;
2) Não traçar objectivos megalómanos que servem apenas para nos preocupar com a lentidão do nosso trabalho;
3) Ter a noção que se numa noite se estuda até às 2 da manhã no outro dia é impossível levantar da cama antes das 11;
4) Ver ou ler as notícias. Não vá dar-se o caso de ter começado um conflito armado e estarmos completamente fora do assunto. Serve igualmente para relativizar os nossos pequenos dramas, que de outro modo assumem contornos de catástrofe à escala mundial;
5) Acumular o vidro para levar para o eco-ponto. Atirar com o vidro da reciclagem nos contentores é um escape de pressão socialmente aceitável e altamente eficaz;
6) Arranjar alguém com quem deprimir e ter a conversa: “mas-porque-é-que-eu-não-fui-para-engenharia-das-florestas?”;
7) Arranjar alguém que tenha um optimismo à prova de bala;
8) Rir, rir muito: de nós próprios, dos nossos professores, daquilo que dizemos, daquilo que os outros dizem. Enquanto rimos não choramos;
9) Ter um livro para ler antes de dormir, de preferência um que já tenha sido lido, não vá dar-se o caso de nos entusiasmarmos com ele. Ir directamente da secretária para a cama é meio caminho andado para sonhar com um chumbo;
10) Sair para ver gente: estar todo o dia enfiado entre quatro paredes como uma fera enjaulada é desgastante;
11) Ter sempre à mão uns cd’s de boa música para o caso de haver ruído. Nunca esquecer que o nosso barulho é sempre melhor que o dos outros;
12) Ter fé nas revisões desesperadas do dia antes: aprende-se muito sobre pressão;
13) Ouvir música animada antes do exame. Põe-nos bem dispostos e confiantes;
14) Cumprir rituais supersticiosos: escrever a esferográfica com que se fez apontamentos, não arquivar apontamentos antes que saia a nota;
15) Nunca esquecer que a matéria abrangida num exame é como um átomo: sabemos onde está o núcleo e a maior densidade dos electrões. A posição do último electrão é impossível de determinar.

Friday, May 23, 2008

Histórias do Possível - A solidão

Quando me abriste a porta e ao entrar me envolveu o cheiro quente do chocolate, senti-me um intruso.
Era um sábado cinzento, frio e ventoso que eu tinha parcialmente gasto em zappings sem sentido. Dispus-me a sair de casa enojado com a minha apatia, para provar a mim próprio que tinha o que fazer e para onde ir. Vesti um casaco, peguei numa pasta com relatórios e num saco com roupa para deixar na lavandaria. Não sabia se estavas em casa; não me ocorreu ligar-te nem me lembrei da inconveniência de aparecer sem avisar.
Ao abrires a porta e dares comigo rosado do frio e com as golas levantadas suspeito que um relâmpago de surpresa passou nos teus olhos, mas à distância de uns dias penso ser vaidade minha julgar-me responsável pelo brilho escuro deles. Recebeste-me com a simpatia de quem espera continuamente uma visita.
- Olá! Entra depressa que está frio.
Inclinei-me para te cumprimentar e senti o cheiro do chocolate na tua pele macia do calor aconchegante da casa. Inventei à pressa uma desculpa esfarrapada que eu próprio não entendi. Qualquer coisa como:
- Olha desculpa aparecer sem avisar mas vinha para estes lados e resolvi parar para te deixar os documentos de que falamos…
- Documentos…?
- Sim… aqueles relatórios para a apresentação…
- Ahh… pois… claro… já nem me lembrava.
Senti-me o pior idiota que alguma vez pisou a Terra. Mas o bolo de chocolate que tinhas acabado de tirar do forno salvou o dia. Era pequenino, típico de uma pessoa que vive sozinha. Levaste-me para a sala e, enquanto eu olhava fascinado para as tuas estantes desorganizadas de uma maneira que parecia fazer sentido, foste preparar dois cappuccinos e duas fatias de bolo. Nas estantes os livros da adolescente romântica que deves ter sido conviviam pacificamente com grandes clássicos, histórias de aeroporto, fantasia e best sellers contemporâneos. Anne Rice e Lev Tolstói. Jane Austen e Dan Brown. Platão e Paulo Coelho. Havia também colecções dispersas de rochas, velas, fotografias, cd’s e pequenas lembranças artesanais de viagens. Um caos coerente que condizia com a tua pessoa sofisticada no trabalho mas que veste roupa de desporto larga e deixa os pés descalços ao fim de semana.
Foi uma sorte entrares na sala concentrada em não derramar as bebidas, caso contrário darias por mim a olhar fixamente para a tua fotografia em traje académico e com o sorriso resplandecente de quem tem algo que ninguém lhe pode roubar. Voltaste com o bolo e sentámo-nos no sofá para discutir os relatórios. O à vontade com que dobraste os joelhos por cima do sofá e juntaste as mãos à volta da caneca para lhe absorver o calor fez-me sentir alheio ao aconchego da casa. Ao comentar os relatórios tu ouvias e opinavas de forma pertinente entre golinhos de cappuccino e pedaços de bolo. Sim o bolo… Era óptimo, sem dúvida. Leve, apesar de quente, nada enjoativo, o açúcar devia ter sido adicionado parcamente para não camuflar o travo subtil do chocolate. Eu queria pensar que estavas satisfeita por partilhá-lo mas não me conseguia abstrair do facto de ter imposto a minha companhia.
Os relatórios ficaram esquecidos na mesa de apoio e a conversa derivou naturalmente para o tempo, para a música, para a política, para a literatura, para o cinema, para a família. Tópicos aparentemente não correlacionados mas que soubemos encadear perfeitamente na conversa que fluiu por horas.
Passava das oito quando qualquer coisa em mim me lembrou que já eram horas de ir embora. Levantei-me com esse propósito. Tu protestaste, convidaste-me para jantar, chantageaste-me com o facto que detestavas comer sozinha. Fui firme ao desculpar-me com um compromisso marcado, negando a mim mesmo aquilo que ansiava. Cedeste, mas não antes de te certificares que o jantar ficaria para um futuro próximo. Emprestaste-me uns livros e acompanhaste-me à porta resmungando risonhamente contra a conversa interrompida. Um último beijinho e o resquício de um perfume. Adeus e bom fim-de-semana.
Ao entrar no carro, aspirei o perfume ordinário do ambientador e lembrei-me do meu apartamento vazio. Senti-me mais só.

Saturday, April 26, 2008

As pessoas que pensam são perigosas

A memória é uma coisa curiosa. Ao procurar uma comparação que enriquecesse estas palavras, conclui que a memória é como a maré que devolve à praia maravilhas insuspeitas sob a forma de conchas e búzios, seixos rolados pelo tempo, madeiras de naufrágios passados e garrafas que preservam palavras há muito esquecidas.
Há dias, sem que nada o desencadeasse, lembrei-me de uma história que paira incerta entre os meus 6 e 9 anos. Foi-me contada pela minha professora da primária e, segundo os meus cálculos, refere-se a uma situação passada há 50 ou 60 anos.
Imaginemos uma criança que entra em conflito com os irmãos mais velhos. Essa criança é a minha professora. Como retaliação de uma travessura de que foi vítima, ela repete a viva voz um insulto aos irmãos. Estes, incomodados pela relativa dose de verdade ou pela insistência do insulto, mandam-na parar, sob ameaça de umas valentes palmadas.
Lembro-me que a minha professora contou a frase com que invectivava os irmãos, mas não consigo recordar qual era. O que recordo claramente, porque me revelou uma verdade que anos mais tarde consciencializei, foi o que respondeu à ameaça:
- Podem obrigar-me a calar mas vou continuar a dizer para dentro.
Tamanho atrevimento custou-lhe mesmo umas palmadas.
A verdade que mais tarde descobri, e que a minha professora usou por instinto, foi que nenhum pensamento pode ser silenciado pela coação física. Porque o pensamento não é feito da mesma matéria que a carne e como tal não sofre como ela. A voz interior, quando sabe que tem razão, é persistente. E por muito que as palavras o neguem, a Terra continua a girar em torno do Sol.

Friday, April 25, 2008

Liberdade

Nos meus cadernos de aluno
Na minha carteira e nas árvores
Nos areais e na neve
Escrevo o teu nome


Em todas as páginas lidas
Em todas as páginas brancas
Pedra sangue papel cinza
Escrevo o teu nome

Sobre as imagens douradas
Nos estandartes guerreiros
Tal como na coroa dos reis
Escrevo o teu nome

Nas selvas e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No eco da minha infância
Escrevo o teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco dos dias
Nas estações enlaçadas
Escrevo o teu nome

Nos meus farrapos de azul
No pântano sol alterado
No lago luar vivente
Escrevo o teu nome

Nos campos do horizonte
Sobre umas asas de pássaro
Sobre o moinho das sombras
Escrevo o teu nome


Em cada sopro de aurora
Na água do mar e nos barcos
Na serrania demente
Escrevo o teu nome

Na clara espuma das nuvens
Nos suores da tempestade
Na chuva insípida e espessa
Escrevo o teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos de muitas cores
Sobre a verdade da física
Escrevo o teu nome

Nas veredas bem despertas
Nos caminhos descerrados
Nas praças que se extravasam
Escrevo o teu nome

Na lâmpada que se alumia
Na lâmpada que se apaga
Nas minhas casas unidas
Escrevo o teu nome

No fruto partido em dois
do meu espelho e do meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo o teu nome

No meu cão guloso e meigo
Nas suas orelhas erguidas
Na sua pata sem jeito
Escrevo o teu nome

Na soleira desta porta
Nas coisas familiares
Na língua de puro fogo
Escrevo o teu nome


Em toda a carne que tive
Na fronte dos meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo o teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Muito acima do silêncio
Escrevo o teu nome

Nos meus refúgios desfeitos
Nos meus faróis aluídos
Nas paredes do meu tédio
Escrevo o teu nome

Na ausência sem desejo
Na solidão despojada
Na escadaria da morte
Escrevo o teu nome

Sobre a saúde refeita
Sobre o perigo dissipado
Sobre a esperança esquecida
Escrevo o teu nome

E pelo poder da palavra
Recomeço a minha vida
Nasci para te conhecer
Nasci para te nomear

Liberdade

Poema de Paul Éluard

Sunday, February 10, 2008

Quadro

Pinta-me um quadro. Pinta-mo com palavras, mistura-as numa paleta e vai pincelando a minha imaginação. Porque aquilo que os olhos não vêem, a alma nostálgica sabe evocar.
Conta-me como de um janela aberta sobre o mar se sentia no vento a promessa da tempestade. Que o vento arrepiava a espuma e batia as ondas crescentes contra a rocha, roubando-lhe areias de outras épocas. Consigo ouvir o grasnar agoirento das gaivotas a planar em círculos indecisos, sob nuvens carregadas, que paulatinamente se dissolvem em chuva gelada.
Eu sei que fechaste tudo a sete chaves e mesmo assim se ouvia o assobiar do vento na janela e o martelar insistente da chuva. É pena que a janela seja nova e vede tão bem. É pena porque assim a cortina do meu quarto não ondula fantasmagoricamente.
Agora conta-me como nessa noite choveu um dilúvio, levantou-se um vendaval e trovejava apocalipticamente. Eu conheço essa violência, conheço-a e desejo-a porque embala os meus sonhos e sossega a minha alma de atlante. Depois de uma noite assim, acordaria com a chuva em decrescendo e a tarde seria límpida e pura, com sol radiante e vento, uma antítese caprichosa da noite. E esse sol doce de Inverno, tão precioso porque raro, seria o bálsamo calmo que mitiga a crueza da borrasca.
Conta-me, conta-me outra vez como foi, porque aqui onde todos os dias são luz clara eu quase esqueço a melancolia poética de um céu carregado.

Tuesday, December 25, 2007

Conto de Natal

Encontrei há dias entre os meus papéis umas folhas manuscritas, que a humidade já torna imprecisas as palavras escritas na frente e no verso. A letra, reconheço-a como minha, apesar de ser muito diferente da actual. Trata-se de um conto de Natal que escrevi para um trabalho da escola quando tinha 12 anos. Decidi colocá-lo aqui, resistindo a todos os impulsos de alterar palavras ou riscar frases, como evocação do meu ego mais jovem e como recordação de uma pureza e inocência que deixei caídas algures enquanto crescia. Foi esta também a maneira que encontrei de desejar um Feliz Natal a todos os que, de forma mais ou menos regular, dão aqui uma espreitadela.

Há alguns anos atrás havia uma pequena aldeia que se situava a alguns quilómetros da cidade Bela-Vista. Na pequena aldeia, todos eram felizes: não havia pobres, o ódio, a inveja e o egoísmo não existiam e todos se davam bem uns com os outros. Eu tinha muito orgulho em viver lá. Nesta altura tinha 7 anos. Era uma criança e como todas as outras gostava do Natal. O Natal da minha terra era o mais lindo do mundo. Todos os anos, a 6 de Novembro, reuniam-se todos os adultos homens. Nessa reunião combinava-se quem seria, naquele ano, o Pai Natal que iria satisfazer os pedidos das vinte crianças da aldeia. No dia seguinte, os mais novos escreviam a sua carta com a letra mais bonita que tinham. Depois deixavam-na no ligar onde, todos os anos, se fazia a dita reunião. Assim o misterioso Pai Natal teria até o dia 24 de Dezembro para aceder aos caprichos dos petizes.
Pelo dia 8 de Dezembro, começavam os preparativos para o Natal. Todas as casas eram enfeitadas com azevinhos, laços, fitas e, claro, era obrigatório o pinheiro e o presépio.
Na véspera de Natal a azáfama reinava em toda a aldeia. Batiam-se os últimos bolos e preparavam-se as doces filhós. Depois às 9 horas todos os habitantes reuniam-se. Este ritual fazia com que se intensificassem os laços de amor e partilha que havia entre nós. Este era o verdadeiro sentido do Natal: o amor, a partilha, a amizade e a fraternidade. E assim, Jesus nascia no coração de cada um de nós de maneira especial.
Perto da meia-noite, dirigíamo-nos para a igreja. Lá louvávamos o nosso Deus, dávamos graças pelas suas maravilhas e comemorávamos o nascimento do Redentor.
Depois regressávamos a casa e íamo-nos deitar enquanto o Pai Natal distribuía as prendas. Lembro-me de uma vez ouvir passos na minha casa e fui espreitar. Era o Pai Natal que curiosamente era o meu pai. Fiquei muito orgulhosa mas guardei segredo pois era proibido saber quem era o Pai Natal.
No último dia do ano íamos à igreja agradecer mais um ano passado e pedíamos que os próximos fossem, pelo menos, iguais. Depois fazíamos uma fogueira e íamos para perto dela. Este ritual tinha uma razão muito simples: no último dia do ano à meia-noite passava sempre uma estrela cadente. Nós não sabíamos qual a sua origem, mas o certo é que pedíamos um desejo: que o ano novo fosse tão feliz como o que tinha passado.
Os anos foram passando sempre festejados com a mesma alegria e amor. Mas no ano em que festejei os meus 15 anos, a misteriosa estrela não passou e portanto não fizemos o pedido. A partir daí aconteceram coisas estranhas: as pessoas deixaram de se cumprimentar, morreram algumas pessoas sem que se conhecesse razão aparente e muitos dos habitantes passaram a odiar-se. Muitas famílias, entre elas a minha, partiram para a cidade Bela-Vista. No princípio pensei que seria bom. Pensamentos de adolescente…
Agora com os meus 45 anos (quando despontam os primeiros cabelos brancos) reconheço a asneira que fizemos. Nunca mais vi os meus vizinhos e o Natal nunca mais foi o que era. Aqui na cidade, o Pai Natal não desce pela chaminé, nem pelo elevador ou pelas escadas de incêndio dos prédios. As crianças não acreditam no Pai Natal e chateiam os pais para lhes comprarem os brinquedos da moda. O Natal deixou de ser a festa do amor e da partilha e passou a ser a festa do consumismo. O meu coração parte-se ao ver os mendigos a pedirem esmola aos que passam carregados de embrulhos. Agora tenho a certeza que Jesus não nasce no coração dessas pessoas. Agora Jesus, que devia ser o grande motivo do Natal, é substituído pelas prendas e pelo prazer de consumir. Tenho saudades da ceia de Natal, tenho saudades da estrela cadente, mas de tudo isso só me resta a memória
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