"A minha pátria é a língua portuguesa"

Friday, April 28, 2006

Pura Perda de Tempo

Sempre ouvi dizer que todas as licenciaturas tinham no seu currículo cadeiras que, para a prática profissional futura, têm pouco ou mesmo nenhum interesse.
No meu primeiro ano de faculdade, já tive esta frustrante experiência. No meu curso (para os que não sabem, Medicina) consta no currículo do primeiro ano uma cadeira para a qual o meu vocabulário é pobre para exprimir o quanto a odeio. É simplesmente inútil, ridícula e nojenta. A saber, Biofísica e Biomatemática.
Nas primeiras aulas, apesar de avisada previamente por aqueles que já passaram pelo mesmo, ainda tentei descortinar a aplicabilidade de fórmulas de meio metro à prática clínica ordinária. Rapidamente desisti. Nas aulas introdutórias à cadeira, explicaram que o seu objectivo é a aplicação de conceitos físicos e modelos matemáticos a sistemas biológicos: por exemplo, a medição da pressão arterial, fenómenos de trombos, fenómenos osmóticos. Devo dizer que as intenções são boas, mas lamentavelmente saem goradas. Os exercícios práticos têm sempre, até ao momento (e caminhamos a passos largos e inexoráveis para o fim do 2º semestre) enunciados sobre conceitos físicos aplicados, adivinhem lá, a sistemas físicos.
Em toda a minha formação secundária, sempre preferi Química. É absolutamente fantástica e poderei dizer seguramente que a vida é Química. Tenho também que dar o braço a torcer: o nosso corpo também é Física. Mas tenham dó: o actual currículo contempla matéria que se marra para o exame e se esquece logo a seguir. Os apontamentos são raivosamente enviados para a reciclagem quando se ultrapassa a barreira crítica dos 9,5.
De resto, não é uma cadeira com conhecimentos estruturantes que ficam, de uma maneira ou outra, presentes para a vida profissional, como os conhecimentos anatómicos ou bioquímicos.
Concluindo, aqui estamos nós a perder horas da nossa já preenchida vida universitária, a estudar uma cadeira cujos conhecimentos, grosso modo, se dispersam na maresia das férias do verão.
Por outro lado, ainda nos tentam convencer de que Biofísica e Biomatemática são fundamentais para a compreensão de cadeira de Fisiologia.
Fica sempre bem dizer coisas dessas, mas basta abrir um livro recomendado para o estudo de Fisiologia para perceber que o argumento é falacioso. Os conceitos realmente importantes são novamente retomados e, a bem dizer, leccionados a partir do zero.
Sejamos realistas. Quando daqui a uns anos me aparecer alguém a dizer: “Ai Sra. Doutora, tenho dores nos rins…” não lhe vou responder “Sabe, é tudo devido à tensão superficial. Vou lhe tirar a Equação de Poiseuille.”
E quem quiser seguir investigação após a licenciatura, que se aguente à bronca.

Thursday, April 27, 2006

Um fantasma com 20 anos

Sempre que se fala em energia nuclear, pensamos inevitavelmente em Chernobyl, o pior desastre nuclear de sempre, ocorrido há 20 anos na Ucrânia. A explosão do reactor número 4 da central originou uma precipitação radioactiva com um nível de radioactividade 400 vezes superior ao de Hiroxima, obrigou 300 mil pessoas a abandonarem as suas casas e contaminou cerca de 142 mil quilómetros quadrados na Ucrânia, na Bielorrússia e na Rússia.
30 pessoas morreram devido à explosão e multiplicaram-se os casos de cancro na tiróide, sobretudo em crianças. Bebés nascidos com malformações, atrasos mentais e o medo são o legado de Chernobyl.
A ameaça é ainda bastante real. Dentro do sarcófago construído por cima dos escombros, a radiação é tão intensa que mata em poucos minutos. As fotografias da cidade de Pripyat, onde se situava a central nuclear, mostram uma desolação enorme. Uma cidade onde reina o silêncio e uma ameaça invisível.
Numa altura em que se discute tanto a política energética e em que o petróleo atinge preços absurdos, a energia nuclear voltou a estar na ordem do dia. Estima-se que o consumo de electricidade do planeta duplique nos próximos 25 anos e o aquecimento global, provocado pelas emissões de CO2 (dióxido de carbono) é uma questão preocupante, uma questão real, e não um devaneio de ambientalistas.
Os defensores da energia nuclear afirmam que esta pode salvar o planeta. Mas poderá também ajudar a destruí-lo. Entre os principais problemas, contam-se os acidentes, o armazenamento dos resíduos, os elevados custos de construção das centrais e a utilização do combustível para armas.
Diz-se que no futuro, os reactores serão mais eficientes, terão capacidade para reciclar combustível usado e diminuir os resíduos. Esperemos para ver.
Recentemente, José Sócrates lançou o apelo a um “debate racional” sobre a energia nuclear. Concordo: a discussão de ideias é sempre proveitosa. Mas, enquanto não se inventam reactores maravilha, há que investir nas energias alternativas. Tenho orgulho em referir dois bons exemplos regionais. Por um lado, temos a Central Geotérmica que produz alguma, não sei especificar quanta, da energia da região. Por outro, temos o exemplo de uma empresa privada, que utilizando excrementos de porco se tornou auto-suficiente e vende energia à EDA.
Portugal é um país com potencial energético não rentabilizado. Fomos abençoados com sol e não são construídos painéis solares. As turbinas eólicas são sempre problema devido ao ruído. Mas há semelhança da Dinamarca, creio que um parque eólico no mar seria bastante proveitoso. E isto para não falar de energia das marés, biomassa e hidrogénio.
Para além da óbvia redução nas emissões de gases com efeito de estufa, o nosso país podia tornar-me mais independente do petróleo, esse senhor, também chamado de ouro negro, que faz mover as guerras.

Tuesday, April 25, 2006

Este nosso Abril

Num dia em que as figuras políticas do nosso país vão ser entrevistadas e vão repetir banalidades e lugares comuns sobre o 25 de Abril, como quem expõe uma lição há muito estudada e ensaiada ao espelho, penso que ficaria mal deixar passar em branco esta data tão relevante aqui no meu blog, até porque, antes de mais, é um feriado! Claro que há sempre quem prime pela originalidade: sempre bombástico e pouco diplomático, Alberto João Jardim afirmou que não vai comemorar o 25 de Abril. É um direito: é a liberdade de não comemorar o dia da liberdade…
Mas deixemo-nos de jogos de palavras. Ao pensar no texto para hoje ainda ponderei em colocar “A Trova do Vento que Passa” de Manuel Alegre ou um poema de Ary dos Santos. Contudo, e inspirada no exemplo irreverente do político madeirense, decidi por uma abordagem diferente: uma polémica literária.
Quem andou com atenção às notícias nos últimos tempos, ouviu falar que a escritora Margarida Rebelo Pinto e a sua editora, a Oficina do Livro, interpuseram uma providência cautelar, com o intuito de impedir a publicação do livro crítico de João Pedro George - Couves e Alforrecas – Os segredos da escrita de Margarida Rebelo Pinto. De facto, o referido senhor, respondendo ao queixume da autora por ser sistemática e insistentemente ignorada pela crítica literária, decidiu “dissecar-lhe” os 8 livros publicados. O resultado foi um livro que a escritora e a editora consideram “lesivo dos direitos de personalidade, de autor e de propriedade industrial da autora”. A editora chegou a pedir que os exemplares do texto crítico fossem entregues no seu armazém.
Ao que parece, o livro não foi considerado ofensivo à pessoa da escritora. E o argumento de que o crítico se estava a aproveitar do nome da escritora para ganha dinheiro também não me parece muito válido, uma vez que João Pedro George, para além de ser docente universitário, é um dos críticos literários mais respeitados da praça portuguesa.
Grosso modo, o crítico refere que Margarida Rebelo Pinto, ao longo das suas obras, se auto-plagia, repete frases com sentido semelhante e comente erros ortográficos. Os temas são recorrentes e os desfechos previsíveis. Como qualquer livro light que se preze, acrescento eu.
Quem anda a choramingar e a dizer que por ser a escritora que mais vende em Portugal não compreende porque é que a crítica não lhe liga, como uma criança embirrenta que só porque comeu a sopa acha que pode fazer tudo o que lhe apetece, acho muito estranho que esteja muito aborrecida só porque a crítica não lhe é favorável. Provavelmente, alguém não lhe explicou as regras do jogo: a liberdade de expressão tanto dá para a crítica favorável como para a crítica desfavorável. Vicissitudes do sistema… É o melhor que temos apesar de não ser perfeito. E depois, isto tudo serviu só para fazer publicidade gratuita de Couves e Alforrecas. Uma atitude mais indiferente não teria despertado tanta curiosidade.
Não pretendo com isto querer dizer que a autora não tem o direito de expressar a sua indignação e recorrer aos tribunais. Mas será que ela respeita a liberdade de expressão do crítico? Ou melhor, qual é a fronteira entre a liberdade de um e a de outro? E qual das duas deve prevalecer?
Só vem isto mostrar que “as portas que Abril abriu” ainda mantêm frestas duvidosas, não estando completamente escancaradas e que a total realização da liberdade, como valor fundamental e primordial, talvez seja uma expectativa utópica.

Wednesday, April 19, 2006

Entre a Ficção e a Realidade

Perdoar-me-ão os meus leitores por voltar ao mesmo assunto, mas tenho forçosamente que o fazer. A culpa caberá talvez à TVI que ainda não se fartou de explorar escandalosamente a morte do jovem actor Francisco Adam, seguindo a velha máxima televisiva de que o apelo à emoção faz aumentar audiências. Ou quem sabe a culpa será das ridículas mensagens escritas de telemóvel apelando a que se vista uma peça de cor laranja e que se reenvie aos contactos, em homenagem do supracitado actor. Enfim, coisas de quem tem mensagens escritas gratuitas e não sabe o que fazer com elas… (perdoem-me os aderentes às mensagens em cadeia). Seja como for, vejo-me obrigada a voltar a tal lamentável assunto por uma razão muito simples: numa reunião de amigos contaram-me que uma adolescente tinha sido entrevistada e solicitada a dar o seu comentário acerca da morte do rapaz. Ao que parece, porque, infelizmente, não o vi embora confie inteiramente na fonte, a adolescente respondeu que tinha pena porque queria saber como a relação entre o “Dino” e da “Susana” ia terminar. Para os desconhecedores da série, o “Dino” é a personagem interpretada pelo actor falecido e a “Susana” é uma personagem com a qual o rapaz mantinha uma relação de amor-ódio.
Segundo o meu ponto de vista, o comentário da rapariga só pode ser interpretado de duas formas: ou é completamente insensível, não lamentando a perda da vida do jovem, ou é pouco inteligente e não sabe distinguir a realidade da ficção. Prefiro apostar na segunda hipótese, dado que entre a falta de sentimentos humanos ou a estupidez, eu prefiro a estupidez.

Quando se trata de uma criança de 4 anos que diz à mãe que o “Dino” não pode ter morrido porque aparece na televisão, tal como li num artigo de jornal, a confusão é compreensível, se bem que não percebo porque é que uma criança dessa idade veja “Morangos com Açúcar” e não “Rua Sésamo”, que era o que eu via, mas isso é outro assunto.
A questão é que é deveras preocupante que uma adolescente não consiga perceber a diferença entre um actor (pessoa) e uma personagem (papel). Mas pelos vistos, isso parece ser um fenómeno tristemente comum. Alguns actores referem que quando interpretam papéis de vilão em alguma série ou telenovela, são por vezes abordados na rua e insultados por tentarem afastar um casal romântico ou por terem morto uma personagem querida.
Mas, na verdade, quem os pode julgar? É muito mais agradável viver alienado numa ficção em que os bonzinhos acabam sempre bem, os apaixonados sempre juntos e os maus na miséria, presos ou mortos, do que numa realidade em que se fala do aquecimento global do planeta, no enriquecimento do urânio e na formação de 40 000 kamikazes no Irão.
Até a minha irmã de 9 anos percebe a diferença entre uma novela e a vida real. Por ser uma criança facilmente impressionável, costumamos fazer-lhe ver que as cenas desagradáveis nas novelas não passam de encenações. Por isso, quando uma personagem morre ela comenta friamente “É tudo a fingir” ao passo que ficou com problemas para adormecer quando se deu o atentado em Londres.

Sunday, April 16, 2006

"Morrer é a curva da estrada"

O quadro já é recorrente: uma época festiva, uma “Operação” qualquer coisa, acidentes, estatísticas, feridos ligeiros, feridos graves, mortos.
Até ao momento, a “Operação Páscoa”, com a intervenção de 1100 patrulhas nas estradas portuguesas sob a jurisdição da GNR, conta 7 mortos. Um deles era Francisco Adam, um jovem de 22 anos, actor que encarnava a personagem Dino da série “Morangos com Açúcar”. A sua morte, tal como todas as outras, é lamentável. O facto de ser uma cara conhecida não nos pode fazer esquecer que ele foi apenas mais um dos inúmeros que já perderam a vida nas estradas, ou daqueles que ficaram incapacitados, o que, grosso modo, pode corresponder à mesma coisa. Quero com isto dizer que a sua morte não deve, na minha modesta opinião, ser encarada de uma forma individualista, mas, em virtude da sua mediatização, deve ser o símbolo de todos os incógnitos que morrem em acidentes rodoviários.
Os acidentes que ensombram as estradas portuguesas são um grave problema. E a que se devem? Ao excesso de álcool, ao excesso de velocidade, à não utilização do cinto de segurança, ao consumo de drogas, mas antes de mais à maldita mentalidade do “acontece aos outros, não a mim”.
Policiamento, multas, vigilância electrónica podem ser atenuantes, mas a mudança de atitudes passa por cada um de nós. E ao batido argumento de que os acidentes envolvem também quem não comete infracções, respondo que se cada um fizesse a sua parte a situação melhorava.
Prefiro pensar que a morte do actor tenha impacto nas camadas jovens e que contribua, de algum modo, para que estes se tornem condutores responsáveis.
Fernando Pessoa escreveu: “Morrer é a curva da estrada”. Para quantos o sentido literal desta frase já não foi verdade?

Friday, April 07, 2006

Dia Mundial da Saúde

Hoje comemora-se o Dia Mundial da Saúde, criado a 7 de Abril de 1948 pela Organização Mundial de Saúde.
A saúde é actualmente um tópico que preocupa a sociedade em geral, como facilmente nos apercebemos todos os dias, nem que seja ao ouvir falar da gripe das aves e do vírus H5N1. Por todo o mundo são feitos estudos e investigações que visam curar situações patológicas mais ou menos graves, desde o desenvolvimento de novos fármacos para as cefaleias (vulgo dor de cabeça) até, por exemplo, investigações para uma vacina contra a SIDA.
Como estudante de Medicina, considero que a saúde é um bem fundamental, devendo todos os esforços serem coordenados para a sua promoção, conservação e melhoria.
Fiquei portanto indignada ao saber de uma situação que vos passo a descrever.
Foi recentemente desenvolvida uma vacina pelos laboratórios Merck e GlaxoSmithKline que parece reduzir drasticamente os casos de cancro cervical, causados pelo Papillomavírus Humano. O cancro cervical, ou cancro do colo do útero (porção inferior do útero), é o segundo cancro do aparelho reprodutor feminino que mais mulheres afecta. O seu risco parece aumentar à medida que diminui a idade em que a mulher teve a sua primeira relação sexual e também aumenta quanto maior é o número de parceiros sexuais. É um cancro que pode ser provocado pelo Papillomavírus Humano, o qual se transmite através das relações sexuais.
Ora nos Estados Unidos da América, os conservadores religiosos defendem que a inclusão da referida vacina no plano de vacinações americano seria um incentivo à sexualidade entre os adolescentes. Alguns chegam mesmo a admitir que teriam a mesma posição em relação a uma vacina contra a SIDA…
É interessante como piedosos cristãos parecem ser tão inclementes relativamente a um paciente com qualquer uma destas doenças, só porque era, supostamente, um promíscuo sexual. Analisando a questão de uma perspectiva diferente, um estado democrático é laico, e como tal não se deve imiscuir com questões de moral cristã.
Em suma, nos EUA, a saúde parece estar mais dependente das concepções religiosas dos dirigentes políticos do que dos avanços científicos da Medicina.
Estamos a falar de vidas que podem ser poupadas. Para um país que se diz tão avançado, as mentalidades dos que estão no governo parecem situar-se nos primórdios da Idade Média.
Termino este post com a amarga ideia de que os cientistas ainda são muitas vezes vistos pelos conservadores religiosos como diabólicos.


(dedico este post a todos os estudantes de Medicina da Universidade dos Açores)