"A minha pátria é a língua portuguesa"

Saturday, February 17, 2007

O Último Reduto

Há vários dias atrás a comunicação social anunciou um estudo levado a cabo por cientistas britânicos e alemães que, através de técnicas de neuroimagiologia obtidas por ressonância magnética funcional, dizem conseguir prever as intenções de uma pessoa num futuro próximo. Um pouco como ler a mente.
Principalmente devido ao meu actual percurso académico, libertei-me do simbolismo romântico e poético que considera o coração como o mais nobre órgão do corpo humano. Desenganem-se os poetas: o coração é apenas músculo. Uma bomba que obedece a ordens superiores. Portanto, considero ser o cérebro o mais magnífico órgão humano. É lá que reside tudo o que somos: memória, personalidade, emoções, sentimentos, inteligência. Tudo dentro de uma caixinha mágica.
Por isso mesmo, a recente afirmação da parte dos neuroinvestigadores fascina-me, mas não deixa de me assustar terrivelmente.
Nota-se actualmente um verdadeiro boom cientifico e ainda bem que assim é. Os progressos científicos devem nortear-se pela busca do benefício geral da Humanidade, o que implica que a ressalva ética seja uma constante. Neste caso em concreto, até que ponto essa tecnologia deve ser desenvolvida?
A mente humana é o último reduto da liberdade, o mais profundo da nossa individualidade, a derradeira barreira protectora contra a estupidificação. Por muito que se seja coagido, há liberdade enquanto há pensamento crítico. Poder prever a acção por interpretação de padrões cerebrais não será então uma forma de violar a privacidade e a liberdade individuais? No limite, o que seria da Humanidade se a mente fosse um livro aberto? Saberíamos quando depois de uma discussão o outro romperia em lágrimas, saberíamos tudo o que as pessoas pensam de nós (o bom e o mau), saberíamos quando as pessoas nos fazem sorrisos simpáticos enquanto lhes apetecia dar estalos e podíamos esperar as reacções dos outros perante determinadas palavras. Por enquanto resta-nos a certeza da complexidade cerebral.
Haverá sempre quem defenda que esta poderá ser uma arma na luta contra o terrorismo. Até certo ponto é possível. Mas as câmaras de vigilância electrónica também o são e apesar disso não são perfeitas.
A questão aqui é até que ponto devemos defender a nossa privacidade e a nossa liberdade. Considero-os valores preciosos, sendo contudo alvo quase diário de agressão. Através da massificação do pensamento, da integração acrítica da informação, das subtis lavagens cerebrais que constituem as propagandas publicitárias e da adopção de um padrão uniforme de comportamento vamos deixando perder as superiores características intrínsecas, com as quais a evolução dotou a nossa espécie.