"A minha pátria é a língua portuguesa"

Sunday, February 10, 2008

Quadro

Pinta-me um quadro. Pinta-mo com palavras, mistura-as numa paleta e vai pincelando a minha imaginação. Porque aquilo que os olhos não vêem, a alma nostálgica sabe evocar.
Conta-me como de um janela aberta sobre o mar se sentia no vento a promessa da tempestade. Que o vento arrepiava a espuma e batia as ondas crescentes contra a rocha, roubando-lhe areias de outras épocas. Consigo ouvir o grasnar agoirento das gaivotas a planar em círculos indecisos, sob nuvens carregadas, que paulatinamente se dissolvem em chuva gelada.
Eu sei que fechaste tudo a sete chaves e mesmo assim se ouvia o assobiar do vento na janela e o martelar insistente da chuva. É pena que a janela seja nova e vede tão bem. É pena porque assim a cortina do meu quarto não ondula fantasmagoricamente.
Agora conta-me como nessa noite choveu um dilúvio, levantou-se um vendaval e trovejava apocalipticamente. Eu conheço essa violência, conheço-a e desejo-a porque embala os meus sonhos e sossega a minha alma de atlante. Depois de uma noite assim, acordaria com a chuva em decrescendo e a tarde seria límpida e pura, com sol radiante e vento, uma antítese caprichosa da noite. E esse sol doce de Inverno, tão precioso porque raro, seria o bálsamo calmo que mitiga a crueza da borrasca.
Conta-me, conta-me outra vez como foi, porque aqui onde todos os dias são luz clara eu quase esqueço a melancolia poética de um céu carregado.