"A minha pátria é a língua portuguesa"

Friday, January 26, 2007

A (Des)penalização da Consciência

A questão é sensível, e ainda bem que assim é. O facto de serem tão complexos os problemas que envolvem a vida humana implica que qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade e ética não lhes seja indiferente.
O aborto é uma realidade. Sempre existiu e não há razões para pensar que deixará de ser praticado. Aliás, se me dessem garantias que a actual lei erradicaria toda e qualquer interrupção de uma gravidez, o meu voto seria “Não”.
Quando uma mulher interrompe uma gravidez, com excepções feitas àquelas que sempre confirmam a regra, certamente não o faz de ânimo leve. A maternidade é algo intrínseco à espécie, é biológico e portanto não deve ser possível fugir da auto-reflexão e auto-julgamento. Tomar uma decisão nesse sentido deverá, portanto, ser uma tortura que certamente conduzirá a sequelas futuras.
O meu voto pelo “Sim” não constitui desrespeito pela vida humana. Constitui antes o repúdio por um sistema hipócrita que lucra com o aborto clandestino e que sustenta assimetrias sociais. Será coincidência que apenas mulheres de baixos recursos sejam condenadas pela prática de aborto? Claro que quem pode não se sujeita a abortos de vãos de escada praticados por curiosos na matéria. Recorrem antes a métodos mais discretos, acreditando que euros a mais lhes resolverá silenciosamente o problema, talvez com a garantia de um atendimento mais seguro em termos científicos. As tais “slot-machines” como alguém já se lhes referiu.
Analisando sobre outra perspectiva: é certo e sabido que nas Urgências dos Hospitais surgem casos dramáticos de abortos mal sucedidos, casos que resultam em infertilidade, trauma psicológico e mesmo morte. Um apoio médico adequado, com equipas multidisciplinares, parece, a meu ver, uma solução mais razoável: acompanhamento pré-interrupção, com apoio psicológico e consultas de planeamento familiar. Não se trata de incentivar o aborto, mas de oferecer uma opção mais digna.
Aliás, as interrupções repetidas não são justificáveis. A interrupção da gravidez não pode ser vista como um método contraceptivo e por isso mesmo, penso que as campanhas de planeamento familiar e contracepção devem ser mantidas e melhoradas.
Num país de estimativas horríveis de violência e abusos sobre crianças, o facto de não ser desejada vem adicionar outro “factor de risco”.
Cada qual que reflicta com cuidado, livre de preconceitos. Livre de ameaças de excomunhão ou acusações de terrorismo. Imaginemos as situações de desespero por falta de recursos ou discriminação social. E não sejamos hipermoralistas: ser a favor de uma mudança na lei não significa necessariamente realizar o acto que ela liberaliza.