"A minha pátria é a língua portuguesa"

Monday, July 30, 2007

Sentidos de Turista

Saber ser turista é algo que nem toda a gente consegue e que requer uma aprendizagem. Eu aprendi a sê-lo quase por inspiração divina. Ocorreu-me como se me acendesse uma lâmpada em cima da minha cabeça, tal como acontece nos desenhos animados. Não sei precisar quando foi, mas garanto que a partir desse momento comecei a experimentar as sensações de modo muito diferente.
Antes de mais, impõe-se que se clarifique o sentido da palavra turista. O Dicionário da Língua Portuguesa (8ª edição, Porto Editora) define assim: “pessoa que viaja por recreio ou para se instruir”. Peço encarecidamente que não me julguem arrogante, mas a verdade é que acho esta definição demasiado redutora. Não considero necessário viajar para ser turista. Para mim a condição sine qua non é abrir os sentidos. Daí que até no sítio onde vivemos e que conhecemos a palmos se possa ser turista, sendo aí que reside o desafio.
Quando tudo é novidade, é fácil estar desperto às sensações: o vento que transporta a respiração das ondas, as árvores que sussurram, o sol que acaricia a pele, o cheiro das plantas, o pitoresco de uma paisagem humana ou natural.
Se revisitamos lugares, a capacidade de nos encantarmos com eles implica estar atento aos pormenores: um raio de sol entre as folhas, uma nuance diferente de azul no mar, uma flor que desabrocha, um pássaro a cantar a solo, um banco desconhecido à sombra de uma árvore. Quase como um bebé que vive tudo pela primeira vez, isso permite reviver sensações sem nunca as esgotar.
Portanto, penso que ser turista não é uma condição passageira associada a uma viagem. O verdadeiro turista é aquele que faz desta condição um estilo de vida, uma romaria pessoal dos sentidos.

Monday, July 23, 2007

Impressões e Preconceitos

Orgulho e Preconceito é seguramente a obra mais lida de toda a bibliografia de Jane Austen, a célebre escritora britânica, autora de Sensibilidade e Bom Senso, Emma, Persuasão, entre outros.
Através da imprensa, o público tomou conhecimento de uma experiência levada a cabo pelo inglês David Lassman, que consistiu no envio do manuscrito do clássico de Austen às principais editoras britânicas, assinado por uma autora fictícia e sob o título original da obra – Primeiras Impressões.
Em resposta, recebeu um total de dezoito cartas confrangedoramente unânimes no veredicto: a obra em questão não seria publicada por se revelar de “pouco interesse”. Apenas uma das editoras chegou ao mísero ponto de constatar “algumas semelhanças” com a obra assinada por Jane Austen, aconselhando um contraste entre ambas.
A dita experiência tinha o propósito de denunciar o débil impacto que as “boas histórias” têm no mundo literário, sobre o qual a indústria cinematográfica parece prevalecer cada vez mais. Creio que desta situação se podem ainda retirar mais algumas inquietantes conclusões, nomeadamente no que respeita ao desempenho das editoras na apreciação das obras que lhes são propostas.
Em primeiro lugar, leva-nos a pensar que as histórias são recusadas de ânimo leve, sem serem lidas a fundo e portanto é provável que muitos projectos de qualidade de autores anónimos estejam condenados ao fundo da gaveta. Assim sendo, perdemos todos: o autor perde motivação, a editora perde potencial lucro e os leitores perdem boas horas de entretenimento.
A segunda hipótese parece indicar claramente que o responsável pelo escrutínio dos manuscritos não conhece Jane Austen, o que podia ser perfeitamente desculpável se não estivéssemos a falar de uma pessoa cujo trabalho e nacionalidade implica supostos conhecimentos literários. Parece razoável dizer que esta situação é tão absurda como uma pessoa com as mesmas incumbências em Portugal não fosse capaz de reconhecer Os Lusíadas ou Os Maias.
Indeed
, a sétima arte ganha terreno sobre a letra impressa, portanto, não seria lógico pensar que os responsáveis por esta última se esforçassem um bocadinho mais? No Reino Unido talvez devessem ter cuidado com a formação académica daqueles que estudam os manuscritos. Por cá, não seria má ideia apostar em edições de bolso, como é o caso da recente iniciativa do Diário de Notícias, porque entre um livro e um par de sapatos a 20€, não restam dúvidas qual continua a ser a opção das massas.
Em colaboração com Mariana Almeida

Wednesday, July 11, 2007

Lados Lunares

O que é que novas tecnologias e idiotice têm em comum? Muita coisa. Talvez demais. Se bem que as novas tecnologias vieram introduzir comodidades inegáveis à vida quotidiana, é igualmente verdade que potenciam um vasto campo para a ordinarice e ilegalidade em geral.
Eu bem podia aqui dissertar sobre a liberdade não controlada da Internet, a pornografia infantil, os downloads piratas, etc, mas profiro conduzir a discussão para um campo que apesar de inócuo, não deixa por isso de ser menos desagradável: a idiotice e chico-espertice que por aí grassa apoiada na Internet e nos telemóveis. Não que isto seja motivo para repudiá-los para todo o sempre: é simplesmente um apelo à reflexão pessoal sobre o assunto e, especialmente, uma fervorosa prece para que não me façam vítima desse tipo de parvoíces.
A massificação da utilização do e-mail conduziu a que se receba frequentemente o seguinte tipo de mensagem:
“Podes não acreditar, mas isto funciona mesmo. Até assusta! Hoje, à meia-noite vais receber um telefonema do amor da tua vida e todos os teus sonhos vão tornar-se realidade. Para isso, tens 10 minutos para enviar esta mensagem a 50 contactos. Caso contrário terás azar até morrer...”
Nos telemóveis, não ajudou nada quando as diferentes redes começaram a oferecer sms’s gratuitos. Desde cadeias de energia positiva para ajudar a encontrar Madeleine McCann, a piadas secas que nos acordam às 8 da manhã de um sábado, a melhor de todas, a que prova bem a falta de entretenimento de que muita gente padece, recebi hoje. O número vinha oculto e passo a citar:
“A chave do euro milhões desta semana é: 9, 19, 29, 39, 49 e as estrelas são 1 e 9. Espero que as use tão bem quanto eu usaria, pois já não estou neste mundo. Amália.”
Este tipo de piadinha não mata mas mói. A primeira é vagamente engraçada, a segunda ainda se suporta, a terceira já enjoa. Isto porque não aprecio o humor que pretende fazer dos outros parvos. Especialmente se o número vier oculto e não me for dada a satisfação de rir de quem envia semelhantes patranhas.

Saturday, July 07, 2007

Gritos pela Terra

Creio que todas as gerações têm os seus desafios. Meros acasos do destino que se constituem como exercícios de pensamento crítico, experimentação de papeis e maturidade. Toda a juventude, seja ela cronológica ou espiritual, deve nortear-se por ideais.
Enquanto a geração dos meus pais foi marcada pelo Estado Novo e pelas mudanças pós-25 de Abril, um dos mais importantes desafios colocados à minha é salvar o planeta ou pelo menos preservar o que resta dele. Os problemas ecológicos dizem respeito a todos e só com a intervenção de todos se poderá chegar a soluções satisfatórias. Mas os jovens terão um papel fundamental. E porquê? Porque a instrução escolar da minha geração foi paulatinamente englobando a sensibilização para as problemáticas da degradação do ambiente. Fui eu e o meu irmão quem ensinamos os nossos pais a fazer separação do lixo. Estranhou-se mas entranhou-se e agora é rotineiro.
Já se passaram vários anos desde a primeira vez que ouvi falar de aquecimento global e lembro-me que na altura era um conceito muito abstracto e altamente controverso. Actualmente, são cada vez mais débeis e absurdas as vozes que se levantam a protestar contra o que já está definitivamente provado. A degradação do planeta é infelizmente uma realidade palpável que, a menos que travada, terá graves consequências num futuro não muito distante. As próximas guerras serão, não por petróleo, mas por água potável. As alterações do clima conduziram à desertificação, fomes e migrações das populações mais pobres. Isso, por sua vez, levará ao surgimento de epidemias, agravadas pelo aumento de temperatura que é favorável à proliferação das pragas. É um nunca mais acabar de calamidades.
É deveras interessante que o Live Earth se realize no mesmo dia em que serão declaradas as Novas 7 Maravilhas. Isto porque a Terra é a maravilha entre as maravilhas. A conservação do património exige a promoção do ambiente. Porque a Terra é a mãe de multifacetadas povos ou porque a cultura só floresce na harmonia (a todos os níveis), cuidemos do planeta para compreendermos quem somos e de onde viemos.
Por isso lanço este apelo pela Terra: pequenos gestos fazem a diferença. Para que as maravilhas da Terra não se resumam a memórias gravadas nas fotografias da National Geographic das nossas estantes.