"A minha pátria é a língua portuguesa"

Wednesday, July 19, 2006

A Teoria da Relatividade

Até uma certa idade, a maneira umbilical de perspectivar a vida e o mundo é normal, sendo um fenómeno estudado em Psicologia do Desenvolvimento. No entanto, com o alargar dos horizontes característico da maturidade parece que insistimos teimosamente no mesmo prisma. Desta vez não por infantilidade, mas por comodidade.
Um ponto em que, de uma maneira ou outra todos temos telhados de vidro, é no facto de nos queixarmos por tudo e por nada. Porque chove e queremos ir à praia. Porque calçamos 37 e só há sapatos 38. Porque temos peso a mais. Porque detestamos o nosso patrão. Porque temos políticos que volta e meia parecem intelectualmente diminuídos. Porque Portugal não é o país que todos desejávamos que fosse.
Sei que estão a pensar que estou a contradizer-me de uma forma absurda. Admito que sim. Mas a verdade é que em termos relativos somos mais afortunados do que os libaneses, israelitas, timorenses, iraquianos, etc.
Se um golpe de estado tornasse Portugal numa ditadura acendíamos velas ao Governo actual. Se fossemos bombardeados choraríamos pelo nosso antigo e medíocre país. Não sendo isto uma justificação para nos tornarmos permissivos a aberrações do dia-a-dia, é simplesmente uma maneira, na minha opinião, de nos tornarmos menos egoístas e mais realistas.
Peço que não me interpretem mal, não estou a fazer juízos de valor. Aliás, confesso que me obrigo a ver em cada uma das n notícias de atentados no Médio Oriente um crime contra a humanidade e não me habituar ao que lá é hábito.

Monday, July 17, 2006

Sanguessugas

Apesar do respeito que tenho pelas crenças e crendices das pessoas, uma coisa que me enoja profundamente é a maneira como outros se aproveitam disso para fazer uns bons trocos. Pior ainda, aproveitam-se da fragilidade, insegurança, desespero, e porque não dizê-lo, da ignorância das pessoas para extorquir-lhes dinheiro. É de facto um negócio altamente rentável e a prova disso é que bruxos, adivinhos, cartomantes, e coisas que tais, crescem por aí como cogumelos. Sem dúvida, um negócio a que o Ministério das Finanças devia estar atento e cobrar impostos, já que os tempos são de “aperto de cinto” (mesmo que para isso se tenha de fazer novos furos).
Uma outra variante é a associação com movimentos religiosos e seitas. Um exemplo concreto é que há uns tempos chegou-me a casa um folheto deveras interessante e cómico, sob a aparência de inquérito, com supostos “problemas espirituais” que o inquirido sentia, devendo levar o folheto a uma sessão de “Tratamento de Alma” na Igreja Universal do Reino de Deus.
Uma breve leitura chegou para que o meu espírito científico se revoltasse contra tanta parvoíce, principalmente porque na maioria dos itens a solução será: consulte um psiquiatra.
Ora vejam lá:

· Desejo de suicídio
· Não tem sorte no amor
· Ouve vozes
· Desunião da família
· Sente uma carga negativa
· Dores de cabeça constantes
· Sente que está sendo perseguido
· Alguém lhe lançou uma praga
· Causa bloqueada em tribunal
· Sente que está à beira da falência
· Uma pontada no peito ou no corpo
· Dores no corpo sem motivo aparente
· Doenças incuráveis ou sem diagnóstico
· Sente a presença de alguém que não vê
· É traído por amigos e familiares
· Sente que algo de mau lhe vai acontecer
· Pessoas desejam o seu mal
· O seu dinheiro desaparece sem explicação
· Sente que há um impedimento no seu caminho
· Passa pelo mesmo problema que um falecido familiar passou
· Depressão
· Pesadelos frequentes
· Está à beira do divórcio
· Nervosismo
· Problemas económicos
· Dominado pelo vício
· Stress muito grande
· É vítima de bruxedo
· É muito invejado
· Acidentes constantes
· Endividado
· Desmaios
· Vê vultos
· Insónia
· Azar
· Perda de interesse por coisas que antes apreciava
· Tristeza e choro sem motivo

Coitados daqueles que vão a essas sessões: levam uma lavagem cerebral e possivelmente ainda perdem dinheiro. E continuam na mesma.

Thursday, July 13, 2006

Sobre a Educação III

Juro que já tinha dado por encerrada a série “Sobre a Educação” mas as notícias de hoje sobre os exames nacionais fizeram alterar a minha decisão, mesmo correndo o risco de aborrecer os meus leitores.
Começando pelas provas de 9º ano, cabe aqui o reparo positivo de uma descida de 70% de níveis inferiores a 3 registados em 2005 nas provas de Matemática para os actuais 64%. Contudo, muito longe das estatísticas desejadas, mas Matemática, infelizmente, é o sempiterno problema, que na minha opinião deriva, em parte, da mentalidade fortemente enraizada do bicho papão.
Já nas provas de Língua Portuguesa registou-se o dobro de níveis negativos (46%). Muitas são as acusações feitas à prova, nomeadamente a existência de erros, mas o facto é que a língua mãe anda pelas ruas da amargura. Considero uma vergonha os atentados à língua que todos os dias se cometem, principalmente aqueles vindos de pessoas com maior grau de instrução. Sempre que alguém diz “a gente somos” ou “eu vi ela” Camões, Eça, Pessoa e tantos outros dão saltos no caixão. É preocupante (e já vi isto com os meus próprios olhos porque a minha mãe é professora de Português) constatar que os alunos escrevem nas provas da mesma forma que escrevem as mensagens de telemóvel. Dá vontade de dizer LOL (acrónimo de laugh out loud – gargalhada sonora) para evitar chorar. Dão facadas na língua e nem reparam.
Por outro lado, e falando globalmente, a maldita cultura da mediocridade e a lei do menor esforço vigoram, estando bem patente no discurso de um aluno do 9º ano entrevistado pelo Diário de Notícias que dizia: “Para passar, podia ter 2 no exame de Português e 1 no exame de Matemática, por isso nem me dei ao trabalho. Não vou estudar só para ter melhor nota, não é?"
Relativamente às provas do 12º ano, os alunos de Química e Física poderão repetir as provas em segunda fase sem serem prejudicados aquando da candidatura, isto é, podendo concorrer na primeira fase. Para quem não está a par das regras, um aluno que repita a prova candidata-se em segunda fase, o que significa que concorre para as vagas que não foram preenchidas no primeiro concurso. Para além da injustiça que esta medida representa relativamente aos alunos que conseguiram bons resultados, isso só prova a incompetência de quem andou a realizar os exames e não lançou provas modelo. É impressionante como é que essas abróteas levam um ano inteiro a estruturar as provas e conseguem a habilidade de colocar erros e questões altamente polémicas. Mais ainda, têm a suprema arrogância de não reconhecer um erro mesmo quando a esmagadora maioria está contra.
E, em jeito de conclusão desta série de textos, só me resta concluir que a Educação neste país está a afundar-se.

Wednesday, July 12, 2006

O Elogio da Sensatez

Para não incorrer no risco de ser acusado de criticar indiscriminadamente tudo e todos, apenas pelo simples capricho ou presunção de ter opinião contrária, aquele que sabe criticar também deve saber elogiar em igual proporção.
E por isso mesmo, aqui fica o meu aplauso de pé ao ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, pela sensatez da sua opinião sobre a pretensão da Federação Portuguesa de Futebol: “Num momento em que o País tem de fazer sacrifícios, acho que esses sacrifícios são para todos”.
Refiro-me à intenção de isenção de IRS para o prémio que a FPF vai atribuir a cada jogador da selecção nacional, no valor de 50 mil euros.
Pessoalmente, acho que a FPF aproveitou a onda de patriotismo e pensou: “Pode ser que concordem.”. Como que atira o anzol, acreditando mais em golpes de sorte do que na evidência da escassez de peixe.
A devida vénia também para o fiscalista Saldanha Sanches que considera essa pretensão um insulto para quem paga impostos e tem baixos salários.
São considerados heróis. Ganham milhões a dar pontapés numa bola. Queimam neurónios para tentar articular: “A selecção jogou bem, mereceu ganhar.” Apelam ao patriotismo. E agora discute-se a isenção de imposto, dinheiro esse que em termos relativos não passa de trocos.
Numa sociedade ideal, essa discussão nem teria lugar. Mas num conjunto de loucos e alienados, resta mesmo elogiar os sensatos.

Friday, July 07, 2006

República das Bananas

Ainda há dias o Presidente da República falava sobre a “fuga de cérebros” portugueses para o estrangeiro. Sendo lamentável não deixa contudo de ser compreensível. Quando não é falta de apoios financeiros à investigação é outra coisa qualquer que acaba por aborrecer as mentes iluminadas de Portugal.
Hoje uma antropóloga viu o seu projecto boicotado, provavelmente devido à falta de organização ou excesso de burocracia.
Especificando: a dita senhora, juntamente com uma equipa de investigadores estrangeiros (espanhóis e franceses) e portugueses, ia exumar os restos mortais de D. Afonso Henriques, o venerável fundador da pátria, de modo a traçar o seu perfil biológico e esclarecer pormenores polémicos como a sua altura, robustez física, problemas de saúde e idade, através de variadas técnicas.
À boa maneira portuguesa, e após ter obtido desde meados de Junho a autorização da Diocese de Coimbra e da delegação do Ippar (Instituto Português do Património Arquitectónico), a investigadora foi informada do cancelamento da exumação, alegadamente porque “não foram cumpridos todos os procedimentos adequados e necessários, não tendo sido, nomeadamente colhida a autorização da direcção deste instituto [Ippar] nem da senhora ministra da cultura, para a realização da referida exumação”. Pelo que a se decidiu “cancelar o referido acto e diligenciar no sentido de apurar os antecedentes relativos a todo este processo”.
Na prática isso poderá significar a perda de patrocínios privados, a indisponibilidade de um membro da equipa (que se dirige agora para o México) e o atraso do projecto.
Agora digam-me: se já tinha sido concedida a autorização dos organismos competentes, qual o porquê deste cancelamento? Será que D. Duarte Pio não foi contactado? Houve um protesto de senhoras de meia-idade contra o pecado de exumar um cadáver? Já sei: a senhora ministra da Cultura teve um sonho profético sobre a maldição que D. Afonso Henriques ia lançar sobre o Governo por autorizarem que um investigador espanhol remexesse nos seus cadavéricos e reais despojos.

Tuesday, July 04, 2006

Sobre a Educação II

Porque estamos a falar da formação de gerações inteiras, e portanto um tema de interesse colectivo, volto ao mesmo tema, agora numa outra perspectiva.
Um estudo recente efectuado a 300 alunos do ensino básico, de todo o país, quer do ensino publico quer do privado, mostra que para 80% dos inquiridos os TPC’s (trabalhos para casa) constituem uma fonte de stress, mais especificamente, são uma fonte de preocupação devido à dificuldade em realizá-los.
Daí que a Sra. Ministra da Educação defenda que sejam abolidos os TPC’s e que estes sejam transformados num trabalho a realizar na escola com a ajuda dos professores.
Depois há os que dizem que os trabalhos de casa são uma sobrecarga para muitas famílias. Pois, de facto imagino que seja muito mais agradável ver as novelas da noite do que apoiar as crianças no estudo.
Que muitas famílias não sejam capazes de apoiar os seus filhos nos trabalhos de casa isso é empírico, principalmente as de meios menos favorecidos. Mas, na minha opinião, os trabalhos de casa são um modo de praticar os conhecimentos adquiridos, não um modo de adquirir novos conhecimentos. Portanto, isso implica que as dificuldades devem ser resolvidas na aula com os professores e não com os pais. São mais horas na escola, através da resolução desses TPC’s camuflados que essas dificuldades serão resolvidas? Seria óptimo.
Na minha opinião os trabalhos de casa não devem desaparecer, pela simples razão de que são eles, que numa fase precoce ajudam a estabelecer hábitos de trabalho e métodos de estudo. Não cabe na cabeça de ninguém que uma criança de 6 anos, do primeiro ano, resolva por si só estudar as vogais que deu na aula. Os trabalhos de casa devem estabelecem rotinas, responsabilidades e prioridades.
Mais: são fonte de stress? Pois que sejam. Há que aprender a lidar com as contrariedades, isso faz parte do processo de crescimento de qualquer criança. Estão stressados porque não podem ir brincar ou ver “Morangos com Açúcar” (onde pelos vistos os estudantes saem todos as noites e nunca estudam)?
Apenas uma ressalva: todos sabemos que se cometem exageros e que a exigência e a quantidade dos trabalhos devem corresponder ao nível dos alunos. Mas isso está no bom senso dos professores, o que poderá ser discutível.
Não será com paninhos quentes que vamos ajudar as crianças a crescer e tornarem-se jovens responsáveis, conscientes da necessidade de estudar. Se com o actual método, os meninos chegam ao 5º ano e não estudam nada, imagine-mos o que será se deixar de haver TPC’s.
Só falta é virem com teorias de traumas, análises freudianas e não sei mais o quê como desculpa para o insucesso e a falta de motivação dos estudantes.

Sunday, July 02, 2006

Sophia

Regra geral, os exames nacionais deixam uma marca indelével, tanto por bons como por maus motivos. Principalmente o de Português, uma vez que, normalmente, é o primeiro a ser realizando e portanto define o estado psicológico com que o estudante encara as provas seguintes.
No meu exame de Português (1ª fase, 2005) saiu um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen para analisar, autora que, durante as minhas aulas, a professora chamava familiarmente Sophia, enquanto os restantes eram nomeados pelo seu nome completo ou simplesmente pelo apelido.
Ela era apenas Sophia. Provavelmente a tratávamos assim devido ao seu nome longo e estrangeirado, ou então porque já era uma figura conhecida desde os tempos mais infantis quando lia-mos “A Menina do Mar” ou “O Cavaleiro da Dinamarca”.
Sempre gostei dos poemas de Sophia. Apesar de serem de interpretação nem sempre fácil, o seu tema recorrente do mar faz eco na minha personalidade de ilhéu.
Assim sendo, e porque há dois anos atrás Sophia deixou este mundo (não totalmente porque a verdadeira arte imortaliza o artista) transcrevo aqui o poema do meu exame nacional de Português, numa singela mas justa homenagem.

Em todos os jardins

Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como um beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas paisagens.