"A minha pátria é a língua portuguesa"

Sunday, November 25, 2007

A minha vida é também papel

“No princípio, era o verbo, e eu lia tudo: «Não há talvez dias da nossa infância que tenhamos tão intensamente vivido como aqueles que julgámos passar sem tê-los vivido, aqueles que passámos com um livro preferido» (Proust). Não esqueço essas horas, nem dou por inconvenientes a desordem, o acaso e a liberdade com que li o que li, porque, sem saber, assim me preparei para o inesperado do mundo. Hoje, que vejo gente a ler com tanta avareza e tanto cálculo, como se a vida fosse uma disciplina de um curso, lembro-me desses dias e dessas noites de papel, em que era feliz por trocar tudo por um livro que tinha debaixo dos olhos ávidos e cansados.”

José Manuel dos Santos

Uma das experiências mais interessantes de um leitor é ver transcrita para o papel uma ideia que já lhe tinha cruzado os pensamentos ou mesmo uma que germinava incógnita no mais profundo de si. O leitor lê e pensa: “é isso mesmo”. Nesse momento, esse diálogo mudo que existe apenas na mente de quem lê estabelece uma ligação de cumplicidade. É a palavra escrita, o suporte físico do pensamento abstracto, o veículo de comunicações de outra forma impossíveis, ecos do passado, sombras indefinidas do futuro e crónicas do que nunca há-de ser.

Os livros vivem, e a sua vinda prolonga-se mais por cada alma humana que engrandecem. Respiram de cada vez que uma mão lhes folheia as páginas que faltam até ao fim. Sussurram segredos. E como cada vida humana carregam uma história a ser desvendada pacientemente, impossível de dissecar numa primeira abordagem e que ao fim de muito tempo ainda nos pode surpreender.

Thursday, November 01, 2007

Quando o Homem quer ou o Lucro exige

O tempo voa, toda a gente se queixa do mesmo. O stress, praga da vida quotidiana, tornou-se tão imprescindível, tão necessário como o café de todos os dias, que os poucos que dele não sofrem são frequentemente olhados de lado, por aparentemente viverem de modo preguiçoso e indolente. Que o tempo pareça pouco para tudo o que se deseja fazer num dia: dedicação ao trabalho, à família e a nós próprios, isso é banal. O tempo não é vivido, de modo que é difícil perceber se passa por nós ou se somos nós que passamos por ele.
O que é absurdo é apressar o que por natureza é apressado. Qual não foi o meu espanto quando no fim-de-semana passado entrei num centro comercial e o vi decorado para o Natal, quando ainda faltam dois meses.
Quem consegue, ainda mantém o espírito de Natal impoluto: como a festa da família, a festa entre as festas. Já não o digo como puramente espiritual porque o materialismo está entranhado nas nossas vidas. Refiro-me ao facto de conseguirmos ver para além das prendas da praxe, o sentimento, o afecto por detrás delas. A alegria em dar um jantar de família, o cuidado amoroso com que se prepara o jantar da Consoada. Os dias preguiçosos em que se fica em casa a ouvir música festiva e o vento a uivar na janela.
Apelar ao Natal com dois meses de antecedência é rebaixá-lo ao puro espírito consumista. Perde-se o verdadeiro sentido. Não encaixa, não faz sentido. É como comer um fruto fora da estação e perceber que é de estufa. É forçado. As coisas fazem-se por analogias, por compatibilidades: para mim só faz sentido comer castanhas assadas na rua se fizer frio. Só faz sentido ir à praia quando acabam os exames. Só faz sentido ir passear ao centro comercial se chove a cântaros. Só faz sentido ser Natal depois dos feriados de Dezembro. Dizem, e é verdade, que o melhor das festas é esperar por elas. Os dias em si, passam depressa como tudo nesta vida e por isso prolongamos a festa ao ansiá-la. Mas, sejamos razoáveis, a véspera que faz a festa está a ser abusivamente alargada.